Como você já leu no artigo anterior, Tim Cook resolveu fazer uma reunião interna com funcionários, para tentar mudar a cultura da empresa em relação à Inteligência Artificial.
Mas uma análise mais profunda do que foi dito no palco nos faz ficar preocupados com os rumos que a Apple está tomando, o que pode nos deixar desesperançosos sobre o futuro da empresa.
Ceci n’est pas Steve Jobs
Quando Tim Cook sobe no palco para dizer aos seus funcionários como será o futuro, ele parece estar tentando fazer o que Steve Jobs fazia: apontar a direção para onde a empresa deve seguir.
A diferença é que todos sabemos que este não é o estilo de Tim Cook.
Enquanto Jobs surpreendia a todos explodindo nossas cabeças com ideias novas, Cook parece apenas reforçar o óbvio com coisas que todo mundo vem dizendo há tempos e que só agora a Apple resolveu admitir.
Nada do que ele disse aos funcionários é realmente novo. Tudo já foi apontado por analistas, especialistas e até por nós aqui no BDI.
Até mesmo as referências que ele usa, só demonstram que ele desconhece a história da própria empresa.
Quando ele diz que “o Mac veio depois do PC”, ele claramente ignora o fato de que a noção de Personal Computer foi criada pela maçã, com o Apple II, bem antes do lançamento do IBM PC em 1981.
Como ser incentivado por um discurso que ignora a história da Apple?
A pressão por resultados
A pressão por resultados está fazendo a Apple tentar acelerar processos, indo contra sua tradicional cultura.
Na WWDC 2024, ela anunciou uma Siri mais inteligente e funcionalidades de IA que, na prática, ainda não estavam prontas. A arquitetura usada era provisória, e a versão definitiva foi adiada para 2026.
A impressão que ficou é a de que a empresa correu para mostrar alguma coisa, qualquer coisa — só para dizer que não estava fora da disputa.
Agora vemos a história se repetir neste novo discurso para funcionários, em que parece o mesmo movimento, reciclado.
Se analisarmos, é exatamente isso: discurso, palavras e promessas futuras, sem apresentar nada de concreto no presente. Dá para confiar?
Tudo ainda está no campo do discurso
É verdade que a Apple já comprou várias startups de IA este ano e está em negociações com empresas como Mistral e Perplexity.
Mas, o que garante que as cabeças pensantes dessas empresas adquiridas continuarão a trabalhar na Apple?
A Meta está jogando pesado, oferecendo salários dignos de estrela da NBA para atrair talentos de IA diretamente da Apple. A pergunta é: como a Apple pretende reter seus profissionais diante dessa ofensiva?
Isso Tim Cook não fala em seu discurso.
E enquanto isso, Google, OpenAI, Meta e até empresas menores já estão entregando novidades quase semanalmente.
Mesmo que a nova Siri seja tudo o que estão prometendo — com respostas mais naturais, contexto avançado e integração profunda ao sistema — ela só deve chegar em 2026.
A questão é: quando isso acontecer, os concorrentes já terão avançado ainda mais.
A Apple vai nos entregar em 2026 uma Siri idealizada em 2024. Quais as chances disso dar certo?
A dificuldade de criar uma IA ética
É claro que lançar recursos de IA generativa não é tão simples quanto parece para quem observa de fora, confortavelmente de uma poltrona. Os desafios técnicos, éticos e operacionais são enormes — e fáceis de subestimar à distância.
A Apple tem uma abordagem historicamente cautelosa, o que pode ser visto tanto como prudência quanto como lentidão.
Enquanto outras empresas correm para colocar IA em todos os lugares — muitas vezes lidando depois com as consequências — a Apple parece querer garantir que seus produtos sejam seguros, confiáveis e integrados ao ecossistema de forma coerente.
E isso é ótimo, mas leva tempo.
A questão é: como dedicar todo esse tempo em criar uma IA perfeita, se todos os outros estão correndo sem ter as mesmas preocupações e chamando mais atenção?
Liderar a IA?
A Apple diz que quer liderar a revolução da IA. Mas, por enquanto, está só no discurso.
É claro que eu gostaria muito de ver a Apple conseguir tudo que Tim Cook pregou em seu discurso, mas visto a história recente da empresa, tenho dificuldades em acreditar.
Reverter a cultura interna, integrar aquisições e lançar produtos de IA de ponta — tudo isso leva tempo.
Talvez estejamos vendo os limites do modelo atual da Apple sob Tim Cook — focado em eficiência, controle e evolução gradual. A dúvida que fica é se, no ritmo acelerado da atual IA, esse modelo ainda tem espaço para criar revoluções e liderar mercados.
Só tempo nos dirá.
Cook não está tão errado em dizer que havia um “PC primeiro”. De fato, o IBM PC de 81 é, de algumas formas, precursor mesmo vindo após o Apple II por ter redefinido o padrão de computação, criando padrões que puderam ser usados, inclusive pela Apple, entre outras coisas mais.
Não é por acaso que o termo “PC” veio dele, e não do Apple II.
Mas entendi seu ponto, valia a pena ele ter feito um pequeno “disclaimer” ao dizer isso, pelo menos pra honrar o legado da empresa que dirige.