Com a recente confirmação de que as equipes de design da Apple passarão a se reportar diretamente a Tim Cook, surge uma dúvida inevitável: quem realmente dita o rumo estético dos produtos da Apple hoje?
O questionamento foi levantado de forma direta por John Gruber, uma das vozes mais influentes no universo Apple, em um artigo publicado logo após o anúncio da saída de Jeff Williams da função de COO.
Segundo Gruber, a ausência de uma liderança clara no design da empresa vem desde a saída de Jony Ive, em 2019, e nunca foi devidamente preenchida — nem com um novo Chief Design Officer (CDO), nem com um VP de design com autoridade estética.
E, sinceramente, tenho que concordar com ele.
Uma decisão temporária que virou permanente
Quando Ive anunciou sua saída, a Apple comunicou que os times de design passariam a se reportar a Jeff Williams, então COO. A decisão parecia temporária — algo para garantir estabilidade enquanto um novo líder fosse escolhido.
Mas isso nunca aconteceu.
Gruber observa que Williams, apesar de presente nas discussões, não exercia papel ativo na condução criativa: fazia perguntas, acompanhava o processo, mas não tinha nem perfil técnico nem formação estética para liderar a área de design.
Seis anos depois, não há nenhuma figura na Apple com “impressão digital” visível nas decisões de design dos produtos, seja no hardware, no software, nas embalagens ou na arquitetura das lojas.
O erro de deixar tudo no colo de Jony Ive
Uma das críticas mais fortes feitas por Gruber é ao modelo que unificou o design industrial (ID) e o design de interface humana (HI) sob uma mesma liderança: Jony Ive.
Esse arranjo fazia sentido enquanto Ive estava no comando — ele tinha visão abrangente, gosto apurado e influência interna para tomar decisões coerentes entre hardware e software.
Mas essa fusão também gerou um problema estrutural: quando Ive deixou a empresa, deixou um vácuo enorme, que nunca foi preenchido.
O erro começou lá atrás, quando o visionário Scott Forstall, tido como o “pai” da interface do iOS, foi afastado após o fiasco inicial do Apple Maps e por supostamente se recusar a assinar a carta pública de desculpas pelos erros.
Com a saída de Forstall, o design de interface foi transferido para Ive — que até então era responsável exclusivamente pelo hardware. Foi o momento em que a Apple tentou alinhar estética e funcionalidade sob uma única visão artística.
E aí começamos a ver bizarrices na Apple, como uma capinha do iPhone 5c toda furada, um mouse com entrada embaixo e o famigerado teclado Borboleta.
Quando Jony partiu, a Apple não nomeou uma nova liderança criativa com peso suficiente para comandar essa estrutura híbrida.
Com o tempo, o resultado foi uma perda de direção clara — e, segundo Gruber, o design da Apple passou a parecer supervisionado, mas não liderado.
Liquid Glass é um exemplo
O novo visual do iOS 26, o Liquid Glass, exemplifica bem todo este dilema.
A linguagem visual nos impressionou à primeira vista, com transparências e um visual futurista. Mas ao mesmo tempo, muitos usuários notaram problemas de usabilidade e inconsistência funcional, como menus confusos e elementos com pouca legibilidade.
E isso faz a Apple ficar testando tudo ao vivo indo e vindo em suas decisões de acordo com as reações nas redes sociais.
É o tipo de situação que levanta uma pergunta incômoda: quem deveria estar lá para dizer “isso não funciona” antes que o recurso apareça na keynote da WWDC?
Gruber aponta que falta uma “voz de gosto” na Apple. Um líder que assuma riscos, defenda decisões ousadas, mas também saiba dizer não ao que é meramente bonito — e não funcional.
Design supervisionado não é design liderado
Com a saída de Jeff Williams e a ausência de um novo CDO ou VP de design, a Apple deixa claro que não pretende nomear um novo “dono do design” no curto prazo.
Agora, os times de design responderão diretamente a Tim Cook, o CEO.
Embora Cook seja um excelente gestor e estrategista, ele não é conhecido por sua sensibilidade estética — e isso acende um alerta.
“Hoje, é menos claro do que nunca de quem é o gosto que está guiando o trabalho da empresa.”
— John Gruber
O que vem pela frente?
A Apple segue sendo uma empresa admirada, com produtos refinados e bem construídos.
Mas há um risco crescente de que o design se torne apenas mais uma engrenagem dentro da operação, sem uma liderança capaz de inspirar, desafiar e reinventar.
Para mim, a situação é bastante clara: o espírito do design inovador da Apple morreu com Steve Jobs. Ele era a voz que dizia “não” quando necessário, que desafiava sua equipe a ir além do óbvio, e que tinha a rara habilidade de enxergar o que funcionava ou não, antes que o mundo sequer soubesse o que queria.
Desde sua ausência, parece que a Apple aceitou, silenciosamente, que nunca mais será a mesma.
O problema é que, ao admitir isso como inevitável, inicia-se uma contagem regressiva silenciosa para o declínio da empresa — não por falta de talento, mas por falta de direção estética com coragem para arriscar.